É interessante ler um artigo sobre competência intercultural escrito por alguém que além de pesquisar, vivencia o tema na prática. Hanna Helstelä é finlandesa, cresceu na Alemanha e vive no Brasil há três anos. Treinadora, coach executiva e palestrante, ela escreveu o capítulo Going global: aprendizagem intercultural como desafio empresarial, que faz parte da 6° edição do recém-lançado Manual de Treinamento & Desenvolvimento da ABTD(Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento).
No artigo, ela expõe
conceitos iniciais para quem deseja se aprofundar no tema, explica o Modelo do
Desenvolvimento da Sensibilidade Intercultural do professor e pesquisador
americano Milton Bennett e dá alguns exemplos de como treinamentos
interculturais podem auxiliar empresas na busca de sucesso econômico
internacional.
Hanna fez toda sua
formação em instituições da Alemanha, Suíça e Áustria, sempre na área de
liderança, desenvolvimento pessoal e organizacional. Trabalhou como consultora
na Daimler (Mercedes) e na ZF Friedrichshafen. Entre 2002 e 2009 deu aula de
Liderança e Gestão de Mudanças na Universidade Cooperativa do Estado de Baden
Württemberg, Ravensburg, na Alemanha, foi membro de bancas examinadoras e
orientadora de trabalhos de final de curso para a obtenção do grau de bacharel.
Há
três anos no Brasil, ela aprendeu português e acaba de abrir sua própria
empresa de treinamento e consultoria em Santo André, São Paulo, onde vive com o
marido também alemão e professor da UFABC. Hanna participou como palestrante da
Conferência Intercultural da SIETAR
Brasil, que aconteceu em setembro deste ano, em São Paulo e reflete
sobre as peculiaridades da nossa cultura.
Porque você se
mudou para Alemanha?
Minha família se mudou em
1969 para Langenfeld, uma pequena cidade perto de Colônia, onde havia uma
marcante presença finlandesa. Eu era criança, tinha apenas três anos. Cresci lá
e em 1986 fui para Stuttgart estudar Artes. No ano seguinte me mudei novamente,
desta vez para estudar literatura russa e política durante 1,5 ano na
Universidade de Konstanz, na Alemanha também. Eu queria entender o contexto da
guerra fria daquela época. Kontastanz é uma cidade muito bonita que faz
fronteira com a Suíça. Mas decidi estudar Administração e lá mesmo fiz a
graduação e o mestrado.
E como começou o seu
contato com os estudos interculturais?
Em
91 eu fiz um estágio de oito meses no setor de RH da Mercedes, em Stuttgart,
trabalhei com desenvolvimento pessoal e depois me chamaram para trabalhar com
desenvolvimento de liderança. Em 98 fui convidada para trabalhar na ZF (empresa
automotiva), também na área de RH, e voltei para o sul da Alemanha. Em meados
de 2000, as empresas se abriram mais e o mercado de trabalho na Alemanha
começou a ficar mais internacional, mas a princípio apenas nos setores de
liderança. Foram contratados parceiros para trabalhar na área intercultural,
consultores e coachs para preparar principalmente os líderes.
Em 2005 eu fiz o primeiro treinamento intercultural e depois comecei a me
aprofundar no assunto e fazer vários cursos, entre eles a formação com Milton
Bennett.
Os empresários já têm
consciência da importância desta competência específica?
Os executivos em geral
ainda têm pouca consciência sobre a importância da competência intercultural.
Quando eles precisam realizar uma negociação com empresas ou profissionais de
outros países, a tendência é achar que não precisam de um treinamento
específico. Eles precisam amadurecer mais esta mentalidade, é raro que uma
empresa dê importância a este assunto. Os melhores líderes internacionais têm
sensibilidade para lidar com a diversidade. É uma competência que tem que ser
desenvolvida.
Como é o campo de
trabalho desta área no Brasil?
As empresas brasileiras
não investem muito no exterior. E quando as empresas internacionais chegam
aqui, em geral, há uma tendência entre os brasileiros de achar que elas é têm
que se adaptar à cultura local, quando na verdade o ideal é que o processo de
adaptação seja um trabalho de ambas as partes. O foco das empresas em geral
costuma ser mais nos expatriados.
Quais são as
competências esperadas de um líder na Alemanha?
Em geral eles são bem
analíticos, sabem pensar estrategicamente e lidam muito bem com as pessoas, mas
um relacionamento focado no trabalho e não tão pessoal quanto aqui no Brasil.
Ele deve conhecer profundamente sua área de trabalho. Quando eles delegam uma
função há a expectativa de que o funcionário traga soluções. A educação na
Alemanha ensina o pensamento crítico, focado em bons argumentos e na solução de
problemas. Um pensamento lógico, estruturado e analítico.
E quais são as
competências esperadas de um líder brasileiro?
Aqui a relação é mais
pessoal do que lá. Em primeiro lugar o líder tem que gostar de você e você do
líder. Aqui é muito importante a questão da confiança. Aqui ele tem que ser
mais persuasivo, deve motivar e convencer as pessoas. Já os alemães não confiam
muito na persuasão, nas palavras. Eles são mais atentos às atitudes e aos
resultados. Os líderes daqui precisam ampliar a competência intercultural, as
habilidades de comunicação e a capacidade de desenvolver os funcionários.
A formação histórica do
Brasil inclui pessoas de diversas origens, você acha que esse contexto facilita
a consciência das relações interculturais?
Aqui as pessoas têm mais
interesse na competência intercultural. Já na Alemanha a tendência é achar que
os outros países têm que aprender com eles, o que também é uma visão
inadequada. No Brasil existe uma sensibilidade em relação ao assunto. As
famílias aqui possuem membros de diversos países mas em geral as pessoas lidam
com isso de uma forma inconsciente. Mas esse contexto propicia o interesse no
assunto e aumenta a possibilidade de tornar o tema consciente, mais do que na
Alemanha.
Como foi a sua adaptação
ao Brasil?
Aqui eu fui muito bem
recebida, se relacionar com as pessoas é fácil e rápido, logo me senti bem, em
casa. Mas em relação ao trabalho foi diferente. Na Alemanha você fala onde você
estudou, o que você fez, seus cursos e você tem uma referência. Lá eu
trabalhava com a alta liderança. Eu me mudei para cá na mesma empresa e tudo
funcionava de uma forma diferente, não consegui trabalhar da mesma forma que
trabalhava lá, me senti muito perdida no início. Aqui era responsável pela área
de treinamento e desenvolvimento (da ZF do Brasil) e vi na prática um conselho
que recebi antes de viajar. “Esquece o seu currículo, as pessoas no Brasil vão
ver primeiro se gostam de você”. Mas hoje já me adaptei, gosto do estilo de
vida que existe aqui.
Como você se sentia na
Alemanha?
Minha
ligação com a Finlândia é muito forte, sempre falei finlandês em casa com a
minha família e visitava constantemente meu país. Mas cresci na Alemanha e falo
alemão como nativo e lá todos achavam que eu era alemã. Essa desconsideração em
relação à minha origem me chateava às vezes. Vi na prática como o modelo de
Milton Bennett é genial. Ele destaca a importância de ultrapassar o estágio da
minimização. Neste estágio achamos que todos somos iguais, o que não ajuda a
integração porque não há o reconhecimento da diversidade, que é essencial para
a aceitação real da cultura do outro.
por Cristiana Lobo
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