Brazil & China
Valores Culturais Comuns?
Lucy Linhares
ica@infolink.com.br
Durante o “boom” chinês no Brasil, muitas das grandes empresas decidiram não perder a oportunidade de participar no maior mercado do mundo. O comércio bilateral cresceu de forma expressiva, de 19.4 milhões de dólares em 1974, quando as relações diplomáticas foram retomadas, para 36.1 bilhões de dólares em 2009, tornando a China o maior parceiro comercial brasileiro, superando os Estados Unidos.
Por outro lado, poucos anos após esse movimento ter sido iniciado (2003/2004), muitas empresas começaram a acusar grandes perdas em seus investimentos na China, levando ao questionamento óbvio das razões porque tinham ocorrido e se poderiam ter sido evitadas.
Passando longe da discussão dos problemas relacionados a questões técnicas e gerenciais, esse artigo deseja focar na discussão das “questões culturais” que possam ter influenciado o sucesso ou o fracasso dessas empresas.
As similaridades culturais mais importantes nos negócios entre Brasileiros e Chineses que encontramos foram:
· A importância do guanxi
· O Jeitinho & zou hou men
· O tempo necessário para realizar negócios
· A Lealdade
· A Burocracia
Guanxi é a conexão pessoal que se constrói durante a vida, significando confiança e troca de favores, tanto na vida pessoal como nos negócios. Os brasileiros entendem o guanxi muito bem, na medida em que o conceito é um dos pilares da sociedade brasileira. Há uma piada que diz que um brasileiro tem maiores chances de encontrar um bom emprego quando tem um bom “QI”. “QI” significa Quociente de Inteligência, mas significa também “Quem Indica”, ou quem indica a pessoa para o emprego.
“Jeitinho” significa, literalmente, um modo de fazer caber qualquer coisa em qualquer lugar, adaptando as necessidades às circunstâncias, e seria o equivalente ao “zou hou men” (uso da porta dos fundos). No Brasil, o “jeitinho” pode significar flexibilidade ou corrupção. Há um famoso show na televisão chamado “O Bom Jeitinho Brasileiro”, tentando mostrar que antes de significar corrupção, “jeitinho” significa criatividade e flexibilidade para se encontrar soluções para problemas difíceis, mas também é verdade que muitas vezes o “jeitinho” evita procedimentos estabelecidos, a burocracia ou até mesmo leis que atravessem o caminho das pessoas.
O tempo necessário para se realizar negócios na China e no Brasil é muito maior do que, por exemplo, nos Estados Unidos, e uma das razões é que as pessoas envolvidas querem conhecer e confiar em seus parceiros. No Brasil a justiça é muito lenta e se for necessário se recorrer a uma briga judicial, todos sabem que a solução pode demorar muitos anos, significando perdas enormes para os negócios. Então as pessoas preferem ser cuidadosas, mesmo que isso implique numa maior lentidão para a implementação dos negócios e tomada de decisões. Na China todas as decisões devem passar por um sistema onde o “guanxi” é crucial, relacionamentos precisam ser estabelecidos e favores retribuídos.
Lealdade aos amigos e parceiros também é muito importante em ambas as sociedades, e eventualmente pode prevalecer sobre a eficiência. É verdade que com a globalização, padrões de qualidade são uma exigência, e sem competência ninguém vai muito longe nem alcança bons resultados. Mas se alguém tiver que escolher entre empregar um amigo eficiente e um anônimo eficiente, na China assim como no Brasil, o amigo eficiente será o escolhido, reforçando a importância dos relacionamentos.
Lealdade aos amigos e parceiros também é muito importante em ambas as sociedades, e eventualmente pode prevalecer sobre a eficiência. É verdade que com a globalização, padrões de qualidade são uma exigência, e sem competência ninguém vai muito longe nem alcança bons resultados. Mas se alguém tiver que escolher entre empregar um amigo eficiente e um anônimo eficiente, na China assim como no Brasil, o amigo eficiente será o escolhido, reforçando a importância dos relacionamentos.
Finalmente, a burocracia pode levar os estrangeiros à loucura, tanto no Brasil como na China, e lidar com ela requer paciência e contatos, de forma a encontrar um “jeitinho” de se encontrar soluções.
No entanto, apesar das similaridades, existem também muitas diferenças. Os estilos de negociação são diferentes, e o conceito de tempo na China é circular, o que significa que quando se acredita que a negociação chegou a um ponto final, os chineses podem querer recomeçar o processo. A burocracia na China é profundamente conectada à política, o que requer conhecimento dos principais atores em cena. A lealdade é dirigida não somente aos amigos, mas também e principalmente ao país, fazendo com que antes de tudo se leve em conta os interesses e necessidades da China, antes dos interesses dos indivíduos, o que é um conceito absolutamente estranho aos brasileiros.
Os contratos na China são entendidos como um espelho das circunstâncias do momento, e se elas mudam, eles acreditam que é justo que o contrato mude também, mesmo que já esteja assinado. Alguns dos padrões de negócios também são muito diferentes, como por exemplo a responsabilidade pelo controle de qualidade dos produtos. Enquanto no Ocidente se acredita que o controle de qualidade é uma responsabilidade a ser supervisionada pelo produtor, os chineses acreditam que deve ser inspecionada pelo comprador. O sistema legal socialista e a falta de regulamentação em algumas áreas aumentam as dificuldades para os executivos brasileiros terem uma correta compreensão dos cenários em que devem atuar.
Assim, a experiência tem demonstrado que, quando em solo chinês, as similaridades culturais podem não ajudar na performance dos brasileiros, as regras atuando em favor dos interesses chineses. Encontrar e cultivar os interesses comuns parece ter sido a chave do sucesso das empresas brasileiras na China.
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O Brasil e a Internacionalização
Kelly França e Mariana Barros
differance@differance.com.br
Acaba de sair (abril-2008) o relatório anual sobre expatriação da multinacional GMAC (2008 Global Relocation Trends Survey report by GMAC Global Relocation Services). Sendo esse um relatório que comemora seu 13º aniversário, ele acaba servindo como um dos melhores referenciais quando falamos de processos de expatriação e internacionalização de empresas, dada a escassez de pesquisas na área.
Para a elaboração do relatório, a GMAC entrevistou um total de 154 organizações localizadas ao redor do mundo, sendo 50% delas com seus headquarters nas Américas, 48% no eixo Europa, Oriente-Médio e África, e 2% no eixo Ásia-Pacífico, cenário que contempla, segundo dados do próprio relatório, um total de 4.3 milhões de pessoas.
As informações contidas no relatório demonstram acima de tudo um teor otimista para o setor. Destaca como já sabido por muitos a grande importância das famílias nos processos de expatriação e informa de maneira inovadora o destaque que os RH das empresas vêm dando aos processos de seleção de perfil dos candidatos antes da partida no intuito de minimizar as perdas e aumentar o retorno desse tipo de investimento para as empresas.
Não obstante, as estatísticas sobre os números de turnover de profissionais envolvidos em processos de expatriação ainda assustam. Segundo o relatório, o turnover de funcionários locais representa 13% enquanto para funcionários expatriados bate a casa dos 25% durante o assignment e 27 % no primeiro ano da repatriação.
São várias as conclusões que podemos tecer a partir desses dados, mas outras estatísticas presentes nesse relatório chamaram ainda mais nossa atenção. Estatísticas essas que destacam nosso país, o Brasil, como um dos lugares de maior desafio para a internacionalização das empresas.
Segundo a pesquisa feita pela GMAC, os cinco países de maior fluxo de expatriação são Estados Unidos, China, Reino Unido, Cingapura e Alemanha, e num total de 21 países que compõem essa lista, o Brasil não aparece. No entanto, quando se trata de principais destinos emergentes, encontramos, em ordem de importância, China, Índia, Rússia, Polônia, e nosso Brasil aparece em 12º lugar.
O dado assustador é que quando perguntados sobre os destinos de maior desafio e dificuldade, os gerentes de operações de expatriação apontam respectivamente China, Índia, Rússia, Estados Unidos e Brasil, enquanto os expatriados apontam, China, Índia, Rússia e Brasil. Considerando que China, Índia, Rússia e Estados Unidos estão entre os países de maior fluxo de expatriação, é esperado que eles também apareçam na lista de maiores desafios. Mas o que nós, Brasil, estamos fazendo em 5º e 4º lugar nessas listas?
Desde o famoso quadro de “Cultural Clusters” lançado por Simcha Ronen and Oded Shenkar em 1985 (“Clustering Countries on Attitudinal Dimensions: A Review and Synthesis”), o Brasil já vinha sendo apontado como um dos 4 países que, dadas suas peculiaridades, não poderiam ser enquadrados em nenhum dos grupos com forma de negociações culturais semelhantes. Nesse caso, os países que apresentavam a mesma dificuldade de agrupamento além do Brasil, seriam Japão, Índia, e Israel.
È chegada a hora de refletir sobre nosso posicionamento no mundo da internacionalização. Os brasileiros são conhecidos lá fora pelo seu alto grau de adaptabilidade e flexibilidade, herança do nosso homem cordial que bem sabe como lidar com situações adversas. Mas também precisamos encarar a realidade da complexidade desse nosso sistema extremamente informal, personalista e burocrático.
Se quisermos mudar nossa imagem de “país do futuro” e fazer com que o futuro aconteça já, nós brasileiros necessitamos desenvolver auto-conhecimento a ponto de reconhecer o quão difícil podemos ser para os outros, diferentes que aqui chegam, querendo investir dinheiro e conhecimento.
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A Questão das raças no Brasil
Lucy Linhares
ica@infolink.com.br
“Somos mestiços. Não apenas etnicamente mestiços. Somos culturalmente mestiços.”
Assim começa o programa de Cultura do candidato eleito a Presidente do Brasil, Luis Inácio da Silva, o Lula, alardeando a mistura de raças que gerou o povo brasileiro. Também nos anúncios oficiais do Governo Brasileiro por ocasião do aniversário de 500 anos do Brasil, comemorava-se o fato de ser o Brasil um país mestiço.
Um dos mitos fundadores do Brasil como nação é o mito da democracia racial. Nossos principais pensadores apontavam a miscigenação de portugueses com os índios e escravos, e a posterior integração dos imigrantes europeus, como responsável por uma cultura de “cordialidade” e integração entre as raças.
Esta questão, no entanto, está longe de ser consensual entre os estudiosos da questão racial no Brasil. Pelo contrário, as posições são radicalmente contrárias.
Quais seriam, então, os principais parâmetros quando se discute a questão racial no Brasil?
Como mais importante, o mito da democracia racial. O mito se atualiza baseado em três fatos: primeiro, a questão racial se torna invisível em função da terrível miséria em que vive o povo brasileiro. Como são muitos os miseráveis, brancos e negros, e como vivemos numa sociedade altamente hierarquizada pela questão econômica, a discriminação atinge a todos que “pareçam pobres”. Em segundo lugar, não existe no Brasil, em termos das relações sociais, a separação étnica que observamos nos EUA. Nas favelas e periferias pobres, brancos e negros se misturam em uma única vizinhança, assim como é quase impossível encontrarmos famílias pobres que não sejam miscigenadas. Em terceiro lugar, chegamos a questão de quem é classificado como negro no Brasil.
Aqui, os indivíduos são classificados de acordo com a cor da sua pele, e ao contrario de muitos países Anglo-Saxões onde todos que não são brancos, são pretos, aqui todos que não são pretos são brancos, ou, pelo menos, “morenos”.
No último censo realizado pelo governo Brasileiro foram utilizadas pelos entrevistados 220 palavras (geralmente nomes de frutas e flores) para a auto-classificação com relação a cor da pele. Estes termos foram agrupados na categoria “morenos”. A dificuldade em estabelecer quem é negro no Brasil tem sido utilizada pelos críticos das propostas de políticas de ação afirmativas, argumentando que seria impossível estabelecer quem seriam os beneficiários.
Os militantes do movimento negro e alguns estudiosos da questão racial no Brasil afirmam que diluir a questão racial na questão das classes é uma forma de negar o racismo existente na sociedade brasileira.
O Brasil é, no entanto, um dos poucos países do mundo que pode se dar ao luxo de ter lideranças do movimento negro casados com parceiros brancos sem serem questionados por isto. Da mesma forma em que casamentos multi-étnicos são aceitos pela parcela “liberal” e intelectualizada (ou pobre) da sociedade, as famílias conservadoras resistem à idéia de terem seus filhos casados com não-brancos, embora seja amplamente aceito por todos a idéia de que no Brasil existem muito poucos “brancos legítimos”.
Aos estrangeiros no Brasil impressiona a ausência de separação entre os grupos étnicos na convivência social, assim como a ausência de ódio racial. Ë mais fácil ouvirem-se relatos de brigas e violência ocorrida entre torcedores de times de futebol, entre gangues que se agrupam por vizinhança e contra gays do que contra grupos ou pessoas por causa da cor de sua pele.
Aos estrangeiros também impressiona a nossa peculiar classificação das raças. Aonde enxergamos uma multidão de brancos eles enxergam uma multidão de negros, o que, segundo seu ponto de vista, torna ainda mais “democrática” a questão racial no Brasil.
Uma das evidências de racismo, apontadas por todos que discutem a questão, é a exclusão da população negra dos lugares freqüentados pelas classes média e alta. Não vemos negros nos clubes, restaurantes e lojas dos bairros nobres da cidade, num apartheid racial não declarado.
Vocês não vêem os negros? Perguntam surpresos os estrangeiros na cidade. Eles vêem negros em toda a parte!