Por Cristiana Lobo
Uma
área de estudo relativamente recente da psicologia é a Psicologia Intercultural, que pesquisa as possíveis
tensões geradas pelo contato entre culturas.
Sylvia Duarte Dantas é professora
da Universidade Federal de São Paulo (
UNIFESP) especializada em Psicologia
Intercultural e coordena um trabalho intervenção psicossocial que engloba
psicoterapia breve, workshops e orientação intercultural na universidade
voltado para imigrantes, intercambistas, brasileiros descendentes de imigrantes
e brasileiros retornados de exterior. Nesta entrevista, ela conta um pouco sobre
seu trabalho e explica processos
que surgem no contato com outras culturas como aculturação, ansiedades, questionamentos de identidade e
conflitos que surgem entre casais de diferentes origens.
Ela fez mestrado e doutorado na
Universidade de Boston e atua principalmente nos temas: psicologia
intercultural, psicanálise, orientação e psicoterapia breve intercultural,
intervenção psicossocial, gênero, e/i-migração, identidade étnica/cultural, preconceito
e processos de inserção cultural.
É co-autora do livro
Líder
de mudança e grupo operativo, ed. Petrópolis: Vozes; autora do livro
Changing gender
roles: Brazilian immigrant families in the U.S., New York: LFB scholarly publishing LLC, 2002, autora
e co-organizadora do livro
Psicologia, E/Imigração e Cultura, São Paulo: Casa do Psicólogo, e
do e-book
Diálogos Interculturais: Reflexões interdisciplinares e intervenções psicossociais, entre outros. Também atua na
metacuradoria de O Comum, projeto do
IEA, Instituto de Estudos Avançados da USP.
1) Como
é o seu trabalho na UNIFESP?
Eu coordeno um trabalho que
envolve psicoterapia breve, workshops e orientação intercultural na UNIFESP
Baixada Santista. Realizamos atendimentos na UNIFESP Baixada Santista no
Serviço-Escola em Santos e em São Paulo na UNIFESP que fica na Vila Mariana.
Supervisiono alunos da graduação a partir do 5º ano. Atendemos estrangeiros,
imigrantes, brasileiros descendentes de imigrantes e brasileiros que voltaram
de uma temporada no exterior e estão em fase de readaptação. Primeiro há uma
entrevista e em seguida o atendimento na própria universidade que acontece em
no máximo 12 sessões.
2) Quais
são as principais queixas dos estrangeiros que estão morando no Brasil?
Todo mundo quando imigra tem um
estranhamento ao código social diferente. Isso é comum a todos que cruzam
fronteiras. Os estrangeiros que residem aqui no Brasil costumam enfrentar
dificuldades com a falta de organização, burocracia e relações pessoais.
Quem vem de países do hemisfério
norte costuma se queixar do excesso de proximidade física que existe aqui,
inclusive no ambiente de trabalho, assim como do hábito dos brasileiros de
fazer comentários sobre a aparência e perguntas sobre a vida pessoal, atitudes
vistas com estranhamento pelos estrangeiros e sentidas como invasivas.
No Brasil, essa é uma forma de
construção de uma relação de confiança. Antes do trabalho, para os brasileiros
vem a proximidade, a sintonia e uma certa simpatia.
São códigos distintos de trabalho,
de amizade, do que é proximidade e hospitalidade. Para eles a hospitalidade
seria seguir o que foi combinado, cumprir a programação e chegar no horário,
por exemplo.
3) Qual
é a influência que uma mudança de país pode gerar na identidade?
Identidade significa “quem eu
sou”, que tem relação com a história de cada um e suas referências, inclusive
físicas. Quando as pessoas se mudam sentem saudades de sensações, cheiros e
lugares que têm a ver com memórias afetivas.
A mudança é uma quebra dessas
referências e coloca em cheque todo um jeito de ser, sentir e pensar, ou seja,
quem se é, e isso implica um questionamento de valores, de como se vê o mundo,
de formas de comportamento, trabalho, concepções de amizade, de jeito de ser. A
identidade é colocada em cheque quando se vê diante do diferente.
4) A
mudança de país pode gerar uma crise?
Quando a pessoa se muda para um
local com uma cultura diferente, em geral, no começo é sempre uma “lua de mel”.
Depois é que se entra em contato com as diferenças e isso cria um conflito.
Este conflito, que se denomina processo de aculturação, será vivido de uma
forma impactante ou não de acordo com vários fatores tanto contextuais quanto
internos.
A palavra crise significa tanto
perigo quanto oportunidade. E o conflito gerado pelas diferenças culturais pode
desencadear um processo que a pessoa tenha dificuldade de superar. Ou então, a
saída do próprio país pode ser encarada como uma oportunidade de ampliar uma
forma de ser, pode significar uma ampliação de uma visão de mundo. É uma
oportunidade para se relativizar o “ser ser-humano”. As pessoas tendem a achar
que sua forma de ser é universal.
5) Você pode falar um pouco
mais sobre este processo de aculturação?
Durante o processo de aculturação
o indivíduo pode criar diversas estratégias para lidar com outra cultura. Em
alguns casos há o abandono da própria cultura e a adoção da nova, adota-se a
nova língua e há pessoas que até optam por não se relacionar mais com pessoas
do próprio país. Isso depende muito do contexto do país de recepção.
Outras pessoas adotam uma
separação, começam a freqüentar lojas étnicas e buscam grupos de pessoas da
mesma nacionalidade. Há também a possiblidade da marginalização, em que o
indivíduo não se identifica com uma cultura nem com a outra. Por último, pode
ser criada uma ponte em que a pessoa mantém aspectos da sua cultura original e
adota outros da cultura
hospedeira, ocorre uma integração que gera menos sofrimento. A forma escolhida
depende de cada um e do contexto do país, da forma como as pessoas recebem
estrangeiros e da política migratória adotada.
6) Como os recursos
internos de cada um influenciam neste processo de aculturação?
Tudo depende da história da
pessoa, se ela tem objetivos consistentes, uma boa relação consigo mesma. Quem
tem uma crítica muito forte pode encontrar dificuldades. Também podem ser
despertados alguns tipos de ansiedade diante do novo: ansiedades paranóides
(quando o novo é visto como ameaçador), depressivas (quando o novo é sinônimo
de perda do que havia antes) e confusional (quando a pessoa não sabe mais quem
ela é).
Essas ansiedades afloram com
maior ou menor intensidade de acordo com o acolhimento. Se a pessoa é
mal-recebida, se sofre algum tipo de preconceito provavelmente haverá um
processo de ansiedade. A reação de cada um também depende de seu repertório
interno, se ela já tem uma história de dinâmica familiar difícil é um
agravante.
Recursos que ajudam a lidar com a
nova cultura seriam a capacidade de estar consigo mesmo - porque é um momento
mais solitário - porque você tem uma ruptura de rede social, além da condição
de lidar com a ambigüidade e a diversidade.
7) Quais são as
dificuldades que casais formados por pessoas de culturas diferentes podem
enfrentar?
As diferenças que podem ser
justamente o que atrai a princípio, em momentos de crise são exatamente o que
acirra o estresse. Pode ocorrer entre os parceiros uma certa hierarquização de
acordo com a origem de cada um (quando pertencem a países com diferentes graus
de desenvolvimento). Também há a questão das diferentes concepções de família e
dos papéis que se espera de um homem e de uma mulher. É um trabalho para os
dois lidar com essas diferenças que são profundas e as pessoas muitas vezes não
se dão conta.
Obs: os interessados em marcar uma entrevista podem
enviar um e-mail para
intercultural@unifesp.br.
Ou pelo telefone (13) 3523-5029 e 3878-3806 com Maria Gisélia.